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“Não tinha dinheiro para lanchar na escola”, recorda mundauense que se tornou doutor aos 27 anos

  • edemundau
  • 18 de abr. de 2021
  • 11 min de leitura

Atualizado: 18 de abr. de 2021

Thales Pantaleão é professor do Instituto Federal de Alagoas (Ifal) e contou trajetória acadêmica e profissional em live do @edemundau

Engenheiro agrônomo carrega primeiro título de doutor de Santana do Mundaú

Thiago Aquino


Aos 17 anos, ele já pisava no ambiente acadêmico. Se formou em Agronomia pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) em. Não deu tempo nem festejar e mostrar o diploma aos familiares, porque três dias depois já estava em Recife para iniciar o Mestrado em Ciência do Solo na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Três dias após defender a tese, em 2011, chegou em Fortaleza para iniciar o Doutorado em Ciência do Solo pela Universidade Federal do Ceará (UFC).


Em 2015, José Thales Pantaleão Ferreira se tornou o primeiro doutor de Santana do Mundaú, mas antes disso, no dia do casamento em 2014, o noivo recebeu a notícia da aprovação no concurso para atuar como engenheiro agrônomo no município de Forquilha (CE). Não demorou muito no primeiro emprego, porque nove meses depois já era professor do Instituto Federal de Alagoas (Ifal) após aprovação no concurso, no qual conquistou a vaga em uma concorrência com 200 pessoas.


Se em apenas ler a trajetória do mundauense em dois parágrafos exige fôlego, imagine a maratona enfrentada por ele em cada etapa. De pé no chão, Thales não se vangloria pelos títulos acadêmicos, mas carrega o desejo de que outros jovens vejam nele que é possível chegar aonde se almeja estar e que a dificuldade não pode ser motivo para desistir dos sonhos.


“Minha vida foi sempre muito acelerada com tudo isso ao mesmo tempo, iniciei um percurso precoce aos 17 anos e sofri um pouco, porque tudo foi muito difícil. Não sou ninguém extraordinário, nunca fui aluno nota 10, mas era perseverante e tentava cada etapa com objetivo e foco. Quando a gente determina aonde quer chegar, isso favorece e você consegue chegar. Se fui tão longe, mesmo com tantas pedras pelo caminho, e ter o diploma de doutorado, o primeiro em Mundaú, que é uma cidade pequena, então outras pessoas também podem conseguir”, pontua.


“O segredo é focar no objetivo. Consegui pelos estudos, mas pode ser que o caminho de outra pessoa pode ser promissor em outra área e consiga também melhorar a condição de vida e social”, acrescenta.

Thales Pantaleão é filho de Ivaneide Pantaleão (in memorian) e Antônio Cardoso

Thales é filho da professora, já falecida, Ivaneide Pantaleão – fundadora da Escola Chapeuzinho Vermelho – e do agente de Endemias, Antônio Cardoso Ferreira, neto de Risalva Sabino, Ivan Pantaleão (Vavá), Maria Pureza e Manoel Cardoso (Nezinho Fiscal).


A trajetória do mundauense na Educação começou pelo Jardim de infância na Escola Chapeuzinho Vermelho. Cursou o Ensino Fundamental em escolas públicas, na Estadual Manoel de Matos e na Municipal Monsenhor Clóvis Duarte de Barros.


O Ensino Médio foi em instituição particular, no Educandário Olímpia Augusta dos Santos, mas lembra que foi com muita dificuldade: “Minha mãe fazia ‘das tripas coração’ para nos dar uma educação de qualidade, por isso ainda estudei em escola particular, mas com muito sacrifício. Minha mãe só tinha dinheiro para a mensalidade e não tinha dinheiro para o lanche. O transporte até União também era outra dificuldade, era o famoso ‘titanic’, que nem sabíamos como a gente chegava”.


A graduação


O desejo de cursar Agronomia foi influenciado no ambiente familiar. Thales ficava admirado com os livros, cartilhas e os comentários feitos pelo irmão mais velho, Elvis Pantaleão, mestre em Engenharia Ambiental (UFRPE), que na época era aluno do curso técnico de Agropecuária na Escola Agrotécnica Federal de Satuba, atualmente Instituto Federal de Alagoas, o Ifal. Ele chegou, também, a iniciar o mesmo curso, mas teve o roteiro de estudo mudado.


Na primeira tentativa para ingressar no Ensino Superior, o estudante enfrentou o Processo Seletivo Seriado (PSS), que era o sistema classificatório para as vagas dos cursos disponíveis na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), e tentou o curso de Agronomia. “Eram 70 vagas e fui o 68º na lista de classificação”, informa Thales ao reforçar que “não era aluno nota 10”.


O frio na barriga agora fazia parte da vida do novo universitário. Isso porque romperia com a convivência dia a dia com os pais para morar na capital, a 100km de Santana do Mundaú. Em Maceió, ele ficou morando durante seis meses em casa de seus tios. Depois mudou-se para a Residência Universitária.


“Era um lugar malfalado, muito discriminado, mas foi local de muito aprendizado. Muitos colegas que hoje são ótimos profissionais e estão bem empregados passaram pela Residência, que costumo dizer que é uma fábrica de sucesso, porque quem chega lá tem muito foco e determinação. Aprendi muito morando lá, tendo que me virar sozinho”, afirma o aluno egresso da Ufal.

Thales em pesquisa sobre sobre solo de Santana do Mundaú

Dedicação. Essa é a palavra que define Thales dentro do mundo acadêmico. Assim que iniciou os estudos no Campus de Engenharias e Ciências Agrárias (CECA), focou nas ofertas de bolsas de estudo. Foi bolsista da Biblioteca da Ufal, monitor e bolsista na disciplina de Microbiologia, monitor voluntário de Olericultura e de Biotecnologia, além de participar do grupo de Agroecologia que o ajudou “na formação como ser humano”, como descreve.


Quatro cursos de mestrado


O graduando não realizou as atividades apenas por fazer. Tudo foi planejado para um degrau a mais que desejava pisar. “Quando entrei na Ufal observa aqueles professores com doutorado e eu dizia que queria ser como eles, então eu era muito atento às atividades porque pensava em formar o currículo para chegar onde eu queria, que era o mestrado”, narra ao somar que no primeiro ano de curso já tinha quatro resumos publicados em congresso. “Na Residência tinha um pessoal do mestrado e me inteirei das coisas e entrei em publicação”.


O novo degrau não só estava garantido para Thales, como também teve a oportunidade de escolher qual mestrado cursar. Com o extenso currículo, após cinco anos da graduação, o novo engenheiro agrônomo foi classificado em cursos de mestrado de quatro universidades, onde as vagas são bastante concorridas: Ciência do Solo (Universidade Federal Rural de Pernambuco), Manejo de Solo e Água (Universidade Federal da Paraíba), Fitotecnia (Universidade Federal Rural do Semi-Árido, no Rio Grande Norte) e em Microbiologia Agrícola (Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais).

Mundauense cursou mestrado na UFRPE

Além da logística, já que poderia contar com a casa do avô em Recife, a escolha do mestrado por José Thales na universidade onde foi classificado entre as doze vagas levou em consideração a referência do curso. “É um curso de referência no Brasil, Recife é muito forte nesta área. A Universidade é um local extremamente bom, com infraestrutura excelente e professores de alta qualidade. Aprendi demais”, declara.


Doutor aos 27 anos


“Quando terminei o mestrado em 2011, aconteceu a mesma coisa de quando conclui a graduação: defendi a minha tese na sexta-feira e na segunda-feira já estava no doutorado em Fortaleza. Só conhecia uma colega que me ajudou a localizar uma casa que alugava quartos”, lembra o mundauense que, mais uma vez, não teve tempo para comemorar o título de mestre, porque precisou arrumar a mala às pressas e partir para o estado do Ceará.


Ele foi classificado em 3º lugar das seis vagas ofertadas pela Universidade Federal do Ceará (UFC) para o Doutorado em Agronomia, Solos e Nutrição de Plantas. Após concluir o curso, em 2015, o engenheiro agrônomo se tornou doutor em Ciência do Solo, o primeiro mundauense a alcançar o título.

Defesa de tese do doutorado na Universidade Federal do Ceará

Testemunha do esforço e da dedicação do agora doutor, a mãe Ivaneide Pantaleão partilhou o orgulho pelo filho em uma reportagem produzida em 2015: “Foi um menino esforçado e corajoso. Faltam palavras para expressar o que nossa família está vivendo em ter um filho que alcança o primeiro título de doutor da cidade e que vai ser referência para muitos outros que também virão a conquistar”.


Os primeiros empregos


Mais uma notícia boa na vida de Thales num intervalo de três dias superou a da classificação para mestrado e doutorado, ao menos pela ocasião em que ele a recebeu. Ainda durante os estudos para defender a tese do doutorado, em 2014, a poucas horas subir ao altar e dizer “sim” à noiva, o telefone tocou. Era o secretário de agricultura de Forquilha, no Ceará, com a notícia da aprovação no concurso para o cargo de engenheiro agrônomo do Município. “Estou casando agora, eu teria pelo menos uma semana para chegar aí?”, questionou Thales, ao lembrar e rir da situação.


A partir de janeiro de 2014, a rotina dele ficou entre Fortaleza, com os estudos do doutorado, e Forquilha, atuando como engenheiro agrônomo. Idas e voltas entre 250 km entre a capital e o interior.

Professor Thales com alunos do Ifal em projeto de extensão

O trabalho durou nove meses. Nesse período como servidor público realizou pela segunda vez a prova do concurso do Instituto Federa de Alagoas (Ifal). Foi aprovado e chamado para lecionar no Campus Piranhas, no sertão alagoano. “Em 24 de outubro já estava aqui em Alagoas como professor do Ifal”, detalha. “Tudo foi dando certo e voltar aqui para meu estado é outra graça, porque vários colegas foram para outros estados distantes, mesmo querendo vir para cá. Conseguir passar aqui foi um privilégio imenso”, comemora o professor, que foi transferido e hoje exerce a profissão no Campus Santana do Ipanema, Sertão de Alagoas.


Oportunidades


Além de atribuir as conquistas ao próprio esforço, doutor Thales também justifica que é fruto de um período de expansão da vida acadêmica no Brasil. “Sou fruto das possibilidades que sugiram no período em que o presidente Lula assumiu, porque houve expansão das universidades. Quando entrei era tudo sucateado e, ao longo do tempo, foi melhorando a infraestrutura, aumentou o número de doutorado no Brasil e isso favoreceu, ou seja, as portas foram abertas para quem estava se dedicando. Antes, mesmo que as pessoas se esforçassem muito, as vagas eram mínimas”, afirma. “Se para mim no mestrado, a disputa foi por doze vagas e doutorado cinco, já neste período de expansão, imagine antes”, indaga.

Thales passou em concurso do Ifal, foi professor no Campus Piranhas e hoje está em Santana do Ipanema

Quando alguém cita sorte com relação ao sucesso profissional, ele sorri: “A sorte aparece para quem se prepara, para quem corre atrás e luta. É extremamente difícil entrar na faculdade se não há esforço”.


“Há risco da produção de laranja em Mundaú estar no fim”


O engenheiro agrônomo sempre foi além dos trabalhos solicitados pelas universidades. Por iniciativa própria, realizou várias pesquisas em campo, inclusive sobre Santana do Mundaú. Ao lado do irmão Elvis e de amigos, publicou vários artigos. Vários estudos também estão disponíveis no blog http://valedomundauagricola.blogspot.com/. No fim da matéria, estão listados links que dão acesso aos trabalhos sobre o município.


Durante a entrevista concedida ao @edemundau, Thales Pantaleão destacou os trabalhos sobre a produção de laranja lima e fez um alerta sobre um grande problema que ameaça a economia e a cultura do município. Questionado por um dos seguidores da página se há possibilidade da Terra da Laranja Lima perder o título, ele foi objetivo: “a gente corre sérios riscos de estar no fim [da produção]”.

Uma das pesquisas do engenheiro agrônomo cita praga que afeta produção de laranja lima de Santana do Mundaú

Ele citou que na história de Santana do Mundaú já existiram vários ciclos agrícolas. A cana e o algodão presentes no brasão municipal, por exemplo, marcaram a época antes do povoado de Mundaú Mirim se tornar independente de União dos Palmares. Vários fatores influenciam as mudanças, mas agora com relação à laranja lima o problema não só pode mudar um ciclo produtivo, como também coloca em risco todo sistema econômico da região.


“A produção de laranja vem caindo com a praga devastadora que chegou em Alagoas, chamada de mosca negra dos citrus. Já existem algumas iniciativas para tentar combater, mas os resultados ainda são incipientes”, explica.


Sem cuidados essenciais por falta de condições dos agricultores e os desafios próprios das condições topográficas e culturais contribuíram para o avanço da praga e redução da produção de laranja: “temos uma agricultura de montanhas, o nosso relevo é muito íngreme e quase não permite fazer mecanização. Temos tratos culturais muito problemáticos: a gente ver adubação em banana, mas não vemos na laranja, porque houve um costume do ciclo se resumir em limpar o mato, aguardar a chuva e tirar a laranja. Ela se desenvolveu muito bem porque o solo e as condições climáticas foram favoráveis e traz muita riqueza, mas a falta de um manejo dedicado acabou prejudicando o resultado. Então, com isso, agora é a produção da banana cumprida que apresenta aumento e chega em Recife e Minas Gerais, por exemplo”.


O agrônomo comemora a diversidade de produtos cultivados, mas lamenta que a produção da laranja lima tenha sofrido redução e torce para que a situação seja mudada. Ele enaltece a qualidade do produto e as condições favoráveis para um ciclo produtivo de sucesso.


“Aguardo que a laranja lima consiga superar o desafio, porque a gente consegue ter acesso a um mercado diferenciado e, pela qualidade, é vendida sem concorrência. A laranja também gera muito emprego, diferente da pecuária, e temos uma condição peculiar: não temos poucos proprietários com grande extensão de terra, mas muita gente é dona de pequenas terras e a divisão agrária favorece o comércio com a diversidade de plantações, já que a renda é distribuída”, detalha Thales. “A laranja lima é referência, devemos buscar melhores condições de resistência às pragas, conservar a produção que é importantíssima”.

Produção de laranja lima pode ser chegar ao fim em Santana do Mundaú (Foto: Thiago Aquino)

Com a queda da produção, ele reconhece que a visão de agricultores tem mudado e que algumas iniciativas buscam combater a praga que atinge as plantações, mas assegura que a situação ainda está distante de ser resolvida, ao levar em consideração que muitos produtores rurais não têm condições e não recebem suporte para os aplicar os cuidados necessários.


“O fato é que ninguém tem condições financeira para o controle total, porque se um produtor trata e o vizinho não cuida, a praga volta. Por isso tem que ter incentivo efetivo do poder público municipal, estadual e federal, uma força-tarefa para fazer o controle, temos tecnologia para isso. Infelizmente a Prefeitura não tem um engenheiro agrônomo para um trabalho contínuo, por exemplo”, explica José Thales. “Temos que melhorar nesta questão de suporte técnico aos agricultores, porque Santana do Mundaú é uma cidade agrícola”.


Se a produção chegar ao fim, os riscos vão além do que a perda do título de Terra da Laranja Lima, com o qual o município é conhecido no Brasil. É o que alerta Pantaleão. “As pessoas têm vontade de trabalhar, então temos que buscar soluções para os diversos problemas que aparecem, porque se a nossa agricultura começa a cair, se os agricultores começam a deixar os plantios e vender as terras, isso vai refletir no comercio, emprego e qualidade de vida das pessoas. Hoje quando temos banana, o fluxo do comércio é diferente, todo mundo sente”, exemplifica.


Infância


O mundauense ainda recordou, durante o bate-papo, os momentos marcantes da infância em Santana do Mundaú. Ele destacou a liberdade de estar nas ruas e nas casas de vizinhos, sem se preocupar com algum tipo de perigo, além da felicidade como fruto de gestos simples. “Quem é do interior tem uma infância gostosa. Nas férias eu ia para o sítio dos meus avós e era muita diversão debaixo dos pés de manga, cortava lata de sardinha que era caterpillar para brincar de fazer caminho”, narra. “Infelizmente, antes mesmo da pandemia as pessoas já ficavam trancadas em casa para evitar qualquer tipo de violência”, lamenta.


Falar sobre adolescência com Thales é lembrar das festas juninas, comidas típicas e família reunida. As competições de quadrilhas nas escolas após meses de preparação mobilizavam os alunos. “Era muito marcante isso tudo”, expressa ao rir e lembrar que fazia chuvinha com bombril. “Colocava fogo e saia correndo, algo muito perigoso, mas garantia a diversão”.


O amor por Santana do Mundaú


Ao conquistar um currículo extenso de títulos e atividades, o professor não faz questão de ser chamado de doutor. A simplicidade do mundauense é reflexo de quem não esquece as origens. Casado com Kelizângela Albuquerque e pai de Thales Filho, mora atualmente na outra Santana, a do Ipanema, principal cidade do sertão alagoano, onde trabalha no Campus do Ifal. O sonho agora é de ser transferido para o Campus em Murici para mais perto de “casa”. “Gostaria de expandir os projetos de extensão que beneficiasse Santana do Mundaú”, explica.


Onde quer que ele esteja não esconde o amor que vem de berço: “É uma cidade pequena, mas acolhedora, rica em diversidade cultural, tem os banhos naturais, está perto do Quilombo dos Palmares, um privilégio quando paramos para entender o que significa”.


ARTIGOS SOBRE SANTANA DO MUNDAÚ COM A PARTICIPAÇÃO DE THALES PANTALEÃO




 
 
 

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